Participei de uma palestra com empresários da Serra da Ibiapaba,
há alguns meses, e na ocasião fui entrevistado por uma rádio local para um
programa sobre a adaptação e mudança das empresas e seus gestores em épocas de
crise. A íntegra do que eu disse você encontra aqui.
Rádio: De que forma as empresas devem encarar os momentos de crise de
todo o mercado de atuação?
Paulo Ávila: Momentos de crise sempre existiram e sempre vão existir.
Eles permitem o saneamento do mercado, pois é na crise que desaparecem empresas
que não conseguem se adaptar, as que conseguem permanecem e outras surgem com
inovações que vêm criar novos paradigmas de mercado.
Às vezes a crise surge em função de exigências externas, como a
escassez de algum insumo usado na fabricação do produto, como está acontecendo
cada vez mais com as madeiras nobres, por questões de legislação, como o veto
que tramita no governo argentino para calçados brasileiros ou por uma redução
na demanda, como acontece com a indústria do tabaco.
Empresas criativas estão buscando novos materiais para
substituir a madeira, indústrias de cigarro estão adquirindo fábricas de
alimentos e tenho certeza de que a indústria de calçados já está buscando
alternativas para substituir a exportação para a Argentina.
A indústria leiteira no Brasil é um exemplo de um segmento que
passa por sua pior crise dos últimos 13 anos pelo excesso de produção e baixo
preço do leite importado, mas alguns já estão se movendo, deixando de vender o
leite como commodity para transformá-lo em produtos derivados, com maior valor
agregado.
Alguns produtos que enfrentaram ou enfrentam proibição em
virtude da legislação, exigindo um reposicionamento das empresas e produtos que
os fabricam hoje são o álcool líquido para uso doméstico, o insufilm para vedar
vidros dos automóveis, a propaganda de cigarros que no passado era carro-chefe
de muitas agências, os transgênicos em alguns países, armas de fogo e munições
etc. Cada uma dessas indústrias está passando por mudanças para sobreviver.
Enfim, a história está cheia de casos em que forças externas
obrigaram empresas a um reposicionamento, da abolição da escravatura e o
conseqüente impacto em toda uma indústria dos tempos coloniais, até a simples
mudança de mão de uma rua, que obriga o Zé do boteco a fechar as portas ou
partir para outra com o desaparecimento da clientela.
Rádio: Qual a principal/primeira medida a ser tomada para a empresa
não entrar em crise junto com o mercado?
Paulo Ávila: A primeira medida é nunca ter todos os ovos na mesma
cesta. Qualquer que seja a empresa e o segmento, é preciso uma estratégia de
desenvolvimento de novos produtos e de exploração de novos mercados, uma
espécie de departamento de investimentos no futuro. Isso permite que a empresa
não seja surpreendida por alguma mudança brusca nas regras do jogo onde está
inserida.
Antigamente uma empresa começava com o avô e aquilo ia até os
netos fazendo a mesma coisa do mesmo jeito. Hoje isso é impossível. Lembro-me
de ter lido de uma empresa norte-americana que, no fim da guerra do Vietnã,
deixou de fabricar bombas para fabricar brinquedos.
Uma mudança radical assim só é possível para empresas de visão e
que tenham sua estrutura montada em formato de um parque de diversões, que está
sempre pronto a viajar e a mudar sua configuração e seus produtos dependendo do
mercado nas diferentes cidades por onde peregrina. Esse monta-desmonta, seja
ele conceitual, de negócio ou de produto, é uma habilidade que toda empresa
precisa procurar ter nos dias de hoje.
Outra medida é de atitude. Boa parte do fracasso está na inércia
e naquele destrutivo sentimento de auto-piedade que perde tempo procurando
colocar a culpa nos elementos externos ao invés de sair em busca de novas ideias.
A luta pela manutenção de um mercado de forma artificial, como às vezes é feito
com mecanismos como reserva de mercado, subsídios e outros dispositivos
artificiais pode ser um tiro pela culatra no longo prazo. O mercado é
implacável demais para permitir que algo sobreviva sem uma função clara e
competitiva.
Um amigo foi perguntado por um empresário, que modernizou a
empresa com um novo sistema de gestão, atendimento de pedidos e suporte ao
cliente computadorizado, quais as pessoas escolher para uma redução de seu
quadro. Meu amigo foi rápido na resposta. "Dê uma volta pela empresa e
observe cada colaborador. Aquele que não estiver sentado na frente de um micro
você dispensa". Naquela empresa tecnologia da informação é sinônimo de
eficiência, portanto ficou fácil descobrir quem trabalhava com eficiência e quem
não. Desnecessário é dizer que alguns dinossauros que se recusavam a se adaptar
aos novos tempos acabaram na rua.
O mesmo tratamento vale hoje principalmente para empresas
familiares quando um sem número de parentes nem sempre produtivos ficam pendurados
em sua estrutura e sugando recursos. Em um mercado competitivo como este já não
há mais espaço para deixar as coisas caminharem como estão. É preciso sanear e
profissionalizar a empresa, aumentando sua eficácia e otimizando seus recursos.
Rádio: Algumas empresas demonstram crescimento durante a crise,
diferentemente da grande maioria. A que fatores se devem esses resultados
positivos?
Paulo Ávila: Visão é um deles. Habilidade de surfista é outro. O surfista não
espera a onda chegar para deitar na prancha e começar a remar. Ele começa a
remar quando vê a onda no horizonte, procurando sincronizar ao máximo a
velocidade da prancha com a onda que vem chegando. Se não fizer assim ele perde
a onda. Você não vê o desvio ou a saída da estrada se dirigir olhando para o
painel do carro. É preciso olhar as placas, os sinais do novo rumo e ir se
preparando, procurando no horizonte um indício de que está chegando a hora de
mudar.
Rádio: O momento de crise é o melhor momento de oportunidades? Por
que?
Paulo Ávila: Eu diria que o momento da crise é a prova que revela quem
estava de olho no futuro e quem dirigia olhando para o painel da própria
empresa, no carro da frente ou, o que é pior, para o retrovisor, preocupado com
o sucesso ou fracasso — principalmente o fracasso — de sua concorrência.
A maioria das empresas costuma dirigir assim, deslumbradas com o
próprio painel de desempenho, seguindo religiosamente a empresa que está na
frente e comparando-se, até para satisfação própria, com as que vê pelo
retrovisor. Não é de surpreender que geralmente a crise não leve apenas uma
empresa de um determinado segmento para o buraco. Uma acaba seguindo a outra,
exceto aquelas com estratégias independentes.
Rádio: Como o aspecto psicológico deve ser trabalhado para incentivar
a equipe a vencer nesse momento turbulento?
Paulo Ávila: A melhor estratégia é franquear canais de comunicação verticais,
porém não os descendentes — da chefia para a operação — mas principalmente os
ascendentes — da produção para a direção. Não é raro encontrar na própria
empresa o melhor caminho ou as melhores ideias, desde que a direção esteja
pronta a ouvir seus colaboradores. A simples abertura de uma comunicação mais
fluida, que inclui também deixar os colaboradores cientes da situação da
empresa e do mercado, pode servir de motivação.
Alguns discordam, achando que quanto menos a equipe souber da
crise, melhor é. Como a crise não está sujeita à empresa, mas o contrário,
deixar que os colaboradores descubram na última hora, quando a vaca já está com
meio corpo no brejo, não irá ajudar em nada. Uma empresa é formada por pessoas
e informação é a maior arma para enfrentar a crise, tanto a informação que
circula de cima para baixo como de baixo para cima.
Rádio: Você poderia citar algumas medidas objetivas para superar a
crise?
Paulo Ávila: há
bem da verdade não existe remédio rápido, do tipo dez mandamentos, para a
crise. O que existe é uma série de boas ações que deveriam existir em todas as
empresas com ou sem crise. Empresas com uma estrutura já configurada para mudar
— lembre-se do parque de diversões — sempre terá maior facilidade de enxergar
oportunidades a cada momento de crise. Dentre muitos outros aspectos que variam
de empresa para empresa, eu sugiro uma especial atenção a estes:
· Tenha bem claro o objetivo e visão da empresa
· Desenvolva um plano estratégico de comunicação e marketing para
a empresa e faça revisões periódicas.
· Explore ao máximo as competências da empresa e as habilidades de
sua equipe
· Invista nas pessoas, principalmente na contratação de novos
talentos, reciclagem dos existentes e exclusão daqueles que de difícil
adaptação a mudanças
· Crie uma cultura organizacional visando levar a equipe a
enxergar a empresa não como um emprego, mas como parte integrante de sua vida.
· Não economize em tecnologia e treinamento.
· Facilite uma cultura de empowerment para que cada um se sinta
dono do seu pedaço ou das tarefas que lhe são designadas.
· Abra um canal de comunicação ascendente e esteja pronto a
escutar o que os colaboradores pensam da empresa, do produto e dos serviços.
· Estimule a criatividade entre sua equipe, criando desafios de
melhoria contínua e recompensando as melhores idéias.
· Dissemine a cultura de organização aprendiz para que cada membro
da equipe seja capaz de enxergar oportunidades de mercado.
Rádio: Há quanto tempo você trabalha com gestão de mudanças e
oportunidades?
Paulo Sérgio Ávila Especialista em Gestão de negócios CEO - Mais Comunicação |
Paulo Ávila: Minha
atuação não é exclusiva a gestão de mudanças e ficaria difícil definir uma
data. Se fosse definir, eu diria que trabalho com gestão de mudanças desde
quando saí da faculdade de Marketing. O simples fato de eu ser mercadologista e
hoje não estar atuando só em marketing já mostra o quanto precisei mudar ao longo de mais de
25 anos de atuação em diversas profissões e mercados. Quem não sabe mudar a si
mesmo para manter a cabeça fora da água terá dificuldade para mudar qualquer
coisa, seja a empresa, o produto ou o serviço.
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